José Eduardo, o menino que tem medo de polícia
Foto: Valéria Lima
O menino José Eduardo da Silva Rocha tem 8 anos e sempre que um policial se aproxima, seja a pé ou em uma viatura, ele corre desesperadamente, geralmente chorando, para se esconder. Como mora em área periférica, na zona norte de Mossoró, quase sempre se esconde no mato e quando retorna, está todo aranhado.
A cena se repete sempre que a viatura policial passa perto de sua casa. “Se aparecer um homem bem vestido usando óculos escuro, a carreira é grande do mesmo jeito. Ele morre de medo da polícia, seja estes homens fardados ou não”, revela a mãe do garoto, a doméstica baraunense Maria Damiana da Silva, de 50 anos.
Damiana tem menos de um metro e 60. É morena e magra. Já foi incrivelmente magra há 6 anos, quando esteve internada com pneumonia e tuberculose no Hospital da Polícia Militar, em Mossoró RN.
Damiana conta que foi salva do Hospital da Polícia por um “anjo” branco (técnica de enfermagem), de Areia Branca, de quem não lembra o nome. Disse que perdeu muito peso por que passou 18 dias só tomando sopa uma vez ao dia. “Eu achei que ali seria meu fim. As pessoas ficavam impressionadas com minha magreza, tiravam fotos, mas não me davam comida”.
A técnica de enfermagem a levou para o Hospital Rafael Fernandes, em Mossoró, para tratar da tuberculose. “Lá me deram atenção, comida e uns remédios. Fiquei boa e voltei a trabalhar, mas aí não consegui mais emprego nas casas. Como não tenho mais marido, fui juntar latinhas e garrafas plásticas nas casas”, narra Maria Damiana, enquanto José Eduardo sai em disparada mais uma vez para o seu “esconderijo de policiais” preferido: “debaixo dos braços da mãe”.
Era a repórter Valéria Lima que se aproximava de óculos escuro e com máquina fotográfica para registrar a entrevista numa sombra de árvore na Rua Amaro Duarte, no bairro Nova Betânia. Ele já imaginava que era uma policial. Convencido que não se tratava de um policial, Eduardo, meio desconfiado, chegou a trocar algumas palavras com a jornalista, que oferecia ao garoto a possibilidade de ver a fotografia dele na câmera. Ficou sorridente quando viu.
Eduardo é o caçula dos seis filhos de Maria Damiana, que ganha a vida com uma espécie de carroça pelas ruas de Mossoró catando latinhas de refrigerante/cerveja e garrafas plásticas para vender após a morte de seu marido. Quando o dia é bom, fatura R$ 8 reais. Às vezes, passa um pouco de dez reais. Soma este valor ao que as pessoas das casas lhe dão todo dia.
“Eu não peço, mas as pessoas veem que estou trabalhando e ajudam”.
“Eu me sinto ofendida quando passa alguém e diz que estou mendigando. Eu não estou mendigando, estou trabalhando”, diz Maria Damiana, que aparenta ter pelo menos 20 anos mais do que consta no registro de nascimento expedido pelo Cartório Civil de Baraúna.
Damiana conta que nasceu debaixo de um pé de oiticica em Baraúna. "Acho que é por isso que eu gosto tanto de natureza, de mato", diz ela sorridente. A gente não tinha nada, finaliza. Damiana é a filha mais velha de uma sequência de 16. Disse que veio morar em Mossoró no ano de 1986 a procura de oportunidades. Trabalhava nas casas no bairro Bom Jardim. Nunca avançou nos estudos.
Tinha que trabalhar para se sustentar e mesmo assim por mais ou menos um ano dormiu na rua. “Era muito ruim. A gente não dormia. Na verdade, ficava dormindo e acordando assustada o tempo todo. Fazia muito frio. É muito ruim não ter uma casa para morar”, diz Damiana, que hoje se diz feliz quanto a moradia, pois ganhou uma casinha do seu terceiro ex-marido.
Casou três vezes. No primeiro casamento não teve filhos. Foi de apenas 1 ano e 8 meses. No segundo casamento teve 5 filhos. Ficou viúva. Eduardo, de 8 anos, é o mais novo. Além dele, tem uma garota de 12 anos, um garoto de 15 e duas já casadas, sendo que uma tem 18 e a outra tem 20. O sexto filho perdeu para a violência em Mossoró há 5 anos.
Damiana relatou que o filho Pedro Miguel dos Santos Júnior, conhecido por Junior Pirata, na época com 20 anos, estava em uma oficina buscando umas ferramentas compradas por um colega de trabalho, quando chegaram uns homens armados e mataram os dois.
O MOSSORÓ HOJE confirmou esta história. Foi no segundo semestre de 2010. Os filhos do dono da oficina haviam matado duas pessoas (pai e filho) e os familiares deles foram se vingar e terminaram matando dois inocentes, no caso Júnior Pirata e o colega de trabalho.
Um veículo parou ao lado do local que Damiana concedia entrevista e a passageira do carro a chama. Se tratava de uma Mossoroense que a ajuda com roupas e alimentos. Lhe entregou uma cédula (não deu para identificar o valor), fez perguntas sobre a escola dos filhos, cobrou da senhora para cobrar mais do filho na escola e seguiu seu destino no Bairro Nova Betânia. “O povo de Mossoró é muito bom”, diz Damiana, deixando escapar lágrimas nos olhos.
Novamente Eduardo sai em disparada com cara de espanto procurando um local para se esconder. Era o jornalista Ismael Sousa, do MOSSORÓ HOJE, se aproximando usando óculos escuro para entrar em seu carro. Avisado, Ismael o convenceu que não se tratava de um policial. Perguntou se ele queria assistir Bob Esponja e ele não quis. Aliás, não quis conversa com Ismael.
Damiana conta que já tentou convencer o filho de todas as maneiras a não ter medo de polícia, mas não tem jeito. Sempre que um desconhecido se aproxima, ele vai logo correndo desesperado. A doméstica acredita que este medo surgiu porque os vizinhos dizem ao filho que vão chamar a polícia para prendê-lo, devido um galo que ele cria em casa.
Mulher de fé
Damiana conta que é feliz com o que tem, em linhas gerais, saúde pouca para trabalhar. Diz que tem dias que chega em casa e sente muitas dores nas costas e nos pés. Demonstra ter muita fé em Deus. Ela diz que o que tem foi Deus quis que ela tivesse e está feliz assim.
E quis, por iniciativa própria demonstrar que quando se faz o bem, atrai o bem.
Relatou que há poucos dias estava em casa no início da manhã com a filha de 12 anos quando a vizinha chegou alegando que não tinha nada para cozinhar e não sabia o que fazer, pois não tinha saúde nem para sair pedindo nas casas arroz, feijão e o tempero.
“A gente tinha meio quilo de arroz que havia sobrado do dia anterior e entregamos a mulher. Ela não tinha nada, nós também não tínhamos, mas eu tinha saúde para trabalhar. Fui para a rua e só ganhei R$ 6,00 naquele dia. Voltei para casa arrasada, mas quando cheguei em casa alguém (nunca descobriu quem) tinha deixado uma cesta básica que tinha até doce de goiaba que Eduardo adorou”, relata a doméstica, voltando a se emocionar.
O almoço já estava pronto. “Minha filha fez. A minha maior graça de Deus foi ter conseguido uma casa para morar e a segunda maior graça foi ter saído viva do hospital. O meu pior momento foi dormir na rua e o melhor momento foi quando recebi minha casinha de um senhor que viveu comigo por uns seis anos”.
Perguntando o que gostaria de ganhar no natal, Damiana disse que espera saúde. Insistimos e ela insistiu também. “Se tem saúde, se consegue tudo, meu filho”. O filho, Eduardo que estava atento, saltou de seu “esconderijo contra policiais” e disse que queria um carrinho de controle remoto de presente de natal. E já foi perguntando quando poderia vir buscar. Inclusive prometeu se esforçar para passar por média no próximo ano.
Maria Damiana mora na casa 12 da Rua Otoniel Marques Quedes, em frente à Escola Santa Terezinha, no bairro Santo Antônio.
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